sexta-feira, 12 de agosto de 2011

ESTRANHA MORAL

Moral – Da raiz latinas mores = costumes, conduta, comportamento, modo de agir. É o conjunto sistemático de normas que orientam o homem para a realização do seu fim (essência).
A moral é a regra da boa conduta e, portanto, da distinção entre o bem e o mal. Funda-se na observação da lei de Deus. O homem se conduz bem quando faz tudo tendo em vista o bem e para o bem de todos, porque então tende a Deus. (Pergunta 629 de O Livro dos Espíritos)
Estranho – De o verbo estranhar, achar extraordinário, oposto aos costumes, ao hábito. Achar diferente do que seria natural esperar-se. Fora do comum, desusado, anormal. Misterioso, enigmático.

O PROBLEMA DO SIGNIFICADO DAS PALAVRAS

Etimologia – ciência que investiga as origens próximas e remotas das palavras e sua evolução histórica – e semântica – estudo das mudanças que no espaço e no tempo, experimenta a significação das palavras consideradas como sinais das idéias – são os dois termos que usamos para apreender o real significado de uma palavra.
As contradições nos debates são muitas vezes fruto das diferentes interpretações que a mesma palavra oferece.  Nesse sentido, Sócrates, filósofo grego da Antigüidade, orientava-nos para bem definir o termo antes de começarmos a discutir.  Adquirindo o hábito de enunciar a terminologia correta, pouparemos o tempo que o grupo gasta na compreensão do seu significado.
Exemplos: 1) a palavra Philosophia, com ph, difere substancialmente da mesma palavra escrita sem o ph. A philosophia dos gregos que, enquanto palavra grega, é um caminho, caminho sobre o qual estamos a caminho. Quer dizer, há sempre uma procura renovada do arche, da ratio, do ti estin. Sem o ph pode significar simplesmente uma maneira de viver. 2) Na época de Sócrates, falava-se do daimon (Espírito protetor); hoje, entendido como demônio.
Com relação à doutrina evangélica, especifiquemos duas dificuldades: 1.ª) os apóstolos escreveram os Evangelhos muito tempo depois da morte de Cristo; 2.ª) os problemas de tradução de uma língua para outra.
Em vista do exposto, convém nos valermos das orientações dadas pelos Espíritos benfeitores, a fim de lançarmos um pouco de luz nas trevas de nossa ignorância.

 ODIAR PAI E MÃE

O TEXTO EVANGÉLICO
“Se alguém vem a mim, e não odeia seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs, e mesmo sua própria vida, não pode ser meu discípulo. E todo aquele que não carrega sua cruz e não me segue, não pode ser meu discípulo. Assim, todo aquele que dentre vós não renuncia a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo”. (Lucas, 14, 25 a 27 e 33)
“Aquele que ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim, não é digno de mim; aquele que ama seu filho ou sua filha mais do que a mim não é digno de mim”. (Mateus, 10, 37)

O SIGNIFICADO DE A PALAVRA ODIAR

Non odit em latim, kai ou misei em grego, não quer dizer odiar mas amar menos. O que exprime o verbo grego misein, o verbo hebreu, do qual deve ter se servido Jesus, o diz ainda melhor; não significa somente odiar, mas amar menos, não amar tanto quanto, igual a um outro. No dialeto siríaco, do qual se diz que Jesus usava mais freqüentemente, essa significação é ainda mais acentuada. A palavra odiar se refere, portanto, ao sentido de ódio como o entendemos na atualidade. E mesmo que quiséssemos traduzir por odiar, iríamos de encontro ao caráter e a personalidade de Jesus. De duas uma: ou a palavra foi escrita de forma indevida, ou a tradução não pode captar o seu verdadeiro significado. De qualquer forma, tomá-la como amar menos faz mais sentido e dá uma conotação mais racional ao nosso modo de pensar.

DEIXAR PAI E MÃE

Quando Jesus nos chama para o seu apostolado e pede-nos para deixarmos pai e mãe, isso não significa que devemos abandoná-los ao sabor da sorte, o que implicaria em falta de caridade, virtude constantemente pregada por Ele mesmo. O que se depreende daí é que devemos nos preocupar com a vida futura, a vida religiosa. Esta tem para nós mais importância do que os nossos parentes e amigos. Quantas não são as pessoas que não podem freqüentar uma religião porque um dos seus familiares não o permite? Quantas pessoas não vão às escondidas ao um Centro Espírita? E por que não proclamam abertamente a sua religião? Simplesmente para não perturbar o ambiente doméstico.
O Espírito Emmanuel nos alerta: “renunciar por amor ao Cristo é perder as esperanças da Terra, conquistando as do Céu”. Ele nos diz: “Se os pais são incompreensíveis, se a companheira é ingrata, se os irmãos parecem cruéis, é preciso renunciar à alegria de tê-los melhores ou perfeitos, a fim de trabalhar no aperfeiçoamento com Jesus. Acaso, não encontras compreensão no lar? Os amigos e irmão são indiferentes e rudes? Permanece ao lado deles, mesmo assim, esperando para mais tarde o júbilo de encontrar os que se afinam perfeitamente contigo”. (Xavier, 1973, cap. 154)

DEIXAR OS MORTOS ENTERRAR OS MORTOS

O TEXTO EVANGÉLICO
“Ele disse a um outro: Segui-me; e ele lhe respondeu: Senhor, permiti-me ir antes enterrar meu pai. Jesus lhe respondeu: Deixai aos mortos o cuidado de enterrar seus mortos, mas por vós ide anunciar o reino de Deus”. (Lucas 9: 59 e 60)

O SIGNIFICADO DE DEIXAR OS MORTOS ENTERRAR OS MORTOS

Nas circunstâncias em que foram ditas, essas palavras não exprimem uma censura àquele que considera um dever de piedade filial ir enterrar o seu pai; elas encerram um sentido mais profundo, um sentido espiritual.
“A vida espiritual, com efeito, é a verdadeira vida; é a vida normal do Espírito; sua existência terrestre não é senão transitória e passageira; é uma espécie de morte comparada ao esplendor e à atividade da vida espiritual. O corpo não é senão uma veste grosseira que reveste momentaneamente o Espírito, verdadeira cadeia que o prende à gleba da Terra, e da qual se sente feliz de estar livre. O respeito que se tem pelos mortos não se prende à matéria, mas, pela lembrança, ao Espírito ausente; é análogo àquele que se tem pelos objetos que lhe pertenceram, que tocou, e que aqueles que o amam guardam como relíquias”. (Kardec, 1984, p. 277)

ACORDA E AJUDA

O Espírito Emmanuel, comentando o texto evangélico, diz-nos que Jesus não recomendou ao aprendiz deixasse “aos cadáveres o cuidado de enterrar os cadáveres”, e sim conferisse “aos mortos o cuidado de enterrar os seus mortos”. Há, em verdade, grande diferença. O cadáver é carne sem vida, enquanto um morto é alguém que se ausenta da vida. Nesta lição ele fala dos trânsfugas (Pessoa que deserta e passa para o inimigo = desertor ou Pessoa que passa para o partido contrário, que renega o seu credo, abandona os seus deveres) da evolução, dos que mergulham em sepulcros de ouro, de vício, de amargura e de ilusão, os verdadeiros mortos para os atributos da evolução espiritual. Conclui dizendo: “se encontrares algum cadáver, dá-lhe a bênção da sepultura, na relação das tuas obras de caridade, mas, em se tratando da jornada espiritual, deixa sempre “aos mortos o cuidado de enterrar os seus mortos””. (Xavier, s.d.p., cap. 143)

NÃO VIM TRAZER A PAZ, MAS A DIVISÃO

O TEXTO EVANGÉLICO
A paz e a espada representam um ensinamento transmitido por Jesus.  Mateus, no cap. 10: 34 a 36, narra essa passagem evangélica nos seguintes termos: "Não penseis que eu vim trazer paz sobre a Terra; eu não vim trazer a paz, mas a espada; porque eu vim separar o homem de seu pai, a filha de sua mãe e a nora de sua sogra; e o homem terá por inimigos os de sua casa".  Lucas, no cap. 12: 49 a 53, trata do mesmo assunto, acrescentando que Jesus viera lançar fogo sobre a Terra e tinha pressa que ele se acendesse.
O SIGNIFICADO DE PAZ E DE ESPADA

Paz - do lat. pax, pacis - é a tranqüilidade da ordem.  É a aspiração fundamental de cada homem e de toda a humanidade, a ponto de seu conceito quase ser confundido com o de felicidade. Espada - do gr. spáthe, pelo lat. spatha - é a arma branca formada de uma lâmina comprida e pontiaguda, de um ou dois gumes. Símbolo do Estado Militar e de sua virtude. Relacionada com a balança significa justiça: separa o bem do mal, julga o culpado.

A INTERPRETAÇÃO SIMBÓLICA DA PAZ E DA ESPADA

O ensinamento da paz e da espada, como tantos outros ensinamentos trazidos por Jesus, possui conteúdo alegórico. A interpretação do referido trecho varia de seita para seita. A espada do Cristo, que era de fraternidade, passa a ser instrumento de violência e opressão nas mãos dos propagadores de determinadas seitas.  Os próprios cristãos, de perseguidos, passam a ser perseguidores. Não é, pois, de se estranhar que as guerras religiosas destruíram mais do que as guerras políticas.
Toda a idéia nova gera oposição. Eis a correta interpretação dessa passagem evangélica.  O "novo", quando fundamentado na lógica e na razão, fere interesses pessoais. Isso acontece na Ciência, na Filosofia e, também, na Religião.  Por isso a importância da nova idéia é proporcional a resistência encontrada.  Pois, se julgada sem conseqüência, deixá-la-iam passar, mas, como se sentem ameaçados, fazem de tudo para dificultar a sua propagação.
O Espiritismo, à semelhança do Socratismo e do Cristianismo, traz um novo paradigma para a humanidade, e pode ser interpretado como uma nova espada.  Não será aceita sem lutas, controvérsias e oposições.  Sua pujança não está nas disputas sangrentas, mas na modificação interior que proporciona a cada um de seus adeptos. A questão da espada será muito mais uma guerra de cada um contra si mesmo e contra todo o mal, fazendo com que possamos ser "promotores da paz".

CONCLUSÃO

Nesta reflexão percebemos que o termo odiar quer dizer amar menos e deixar pai e mãe não é lançá-los à própria sorte, mas adquirir condições de aceitá-los tais quais são como gostaríamos que nos aceitassem como somos.
Toda idéia inovadora, criativa, revolucionária em certo sentido, gera resistência. Às vezes uma resistência equivocada, às vezes de má fé.

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